Willi Ossa era um artista que trabalhava à noite como zelador de uma igreja no lado oeste de Nova York para sustentar a sua família, constituída de sua esposa e pequena filha. Durante o dia, ele se dedicava à sua verdadeira vocação, a pintura.
De nacionalidade alemã, Willi cresceu durante a guerra e casou-se com uma jovem americana, filha de um oficial do exército de ocupação. Eu o conheci quando era estudante de teologia e trabalhava na mesma igreja onde eu era pastor auxiliar.
Willi apreciava falar sobre religião. Por outro lado, eu gostava de conversar sobre arte. Assim, nos dávamos muito bem e mantínhamos longas conversações sobre os assuntos de nosso interesse.
Um dia Willi me fez um convite:
- Posso pintar o seu rosto?
Eu respondi que sim. Então passei a ir a casa de Willi todos os dias, cerca de trinta minutos, cumprindo assim a função de modelo.
Detalhe: Willi nesse período nunca me deixou ver o quadro.
Dia após dia, semana após semana, eu posava imóvel enquanto ele pintava. Certo dia, sua mulher entrou no ateliê enquanto ele pintava, olhou para o quadro, fez uma expressão de espanto e disse:
- Doente! Você o pintou como se fosse um cadáver!
Willi respondeu:
- Ele pessoalmente não está doente. Esta é a aparência que ele terá quando a compaixão se for, quando a misericórdia for removida dele.
O nobre artista tinha medo que eu me tornasse apenas mais um burocrata que amava regras e não pessoas, como muito outros que ele conheceu, o quais em nome de Deus, destruíram e mataram pessoas queridas suas na Alemanha, no período da guerra. O que pintou era na verdade um alerta profético (História retirada e adaptada do livro “Corra com os cavalos” de Eugene Petterson, pp.89,90)
Explicação
Todos nós sabemos que os artistas tem uma sensibilidade fantástica, pois conseguem enxergar e perceber coisas que nós não conseguimos. Eles possuem olhos capazes de ver o visível e vislumbrar o invisível, assim como a habilidade de nos mostrar, de forma completa, o que somente vemos de forma fragmentada, em função das nossas limitações.
Se isso existe nos artistas, imagine então, na pessoa de Deus, o maior Oleiro do mundo.
Ele tem sensibilidade para moldar nossas vidas quando não estamos de acordo com a vontade dele. Ele molda as nossas vidas ao longo da História.
Na época de Jeremias, não foi diferente! Deus estava trabalhando em seus vasos: o seu povo, o qual estava longe dele.
A nação de Judá, como vemos no reinado de Manassés, tinha se enredado pelos caminhos da idolatria (2Rs 21.3), da crueldade (sacrifício de pessoas - 2Rs 21.6a) e das abominações (prática de feitiçarias e adivinhação - 2Rs 21.6b). E foi nos últimos anos de reinado de Manassés que Jeremias nasceu.
O rei Josias tentou arrumar o reino, porém depois de sua morte o povo voltou as velhas práticas novamente.
E foi no reinado dos últimos reis de Judá que o sacerdote Jeremias exerceu a sua atividade profética :
a. Josias (640-609 a.C.);
b. Jeoacaz (609 a.C.);
c. Jeoaquim (609-598 a.C.);
d. Joaquim (598-597 a.C.)
e. Zedequias (597-586 a.C.)
Infelizmente Jeremias , durante o seu ministério (40 anos) não viu nenhuma conversão e ainda por cima foi testemunha ocular do cumprimento de suas profecias: viu sua nação desintegrar-se moralmente por dentro e ser militarmente destruída por fora; viu o cerco e o saque de Jerusalém (586 a.C.) e viu muitos dos seus compatriotas levados para o cativeiro em terras estrangeiras.
Jeremias sabia que os vasos de Judá seriam quebrados para receberem uma nova modelagem, por isso alertar as pessoas que o modelar de Deus estava próximo, era inevitável e inadiável. O modelar de Deus iria se dar no cativeiro babilônico.
O vaso na mão do oleiro...
1. É MODELADO POR ELE
Do cotidiano das pessoas podemos tirar lições valiosas para as nossas vidas, e foi esse o método que Deus usou para falar ao coração de Jeremias e ao povo de Judá. Foi na casa do oleiro que Deus falou com ele. Foi lá que observou aquele homem no seu trabalho.
O oleiro estava sentado em um banquinho girando uma roda e trabalhando em uma massa de barro ainda disforme. “Ele girava o equipamento, e seus habilidosos dedos davam forma ao barro. Uma leve pressão aqui, outra mais intensa lá, e um vaso começava a surgir no monte de barro” (p.92).
Do barro pode-se fazer vasos, panelas, potes, tigelas, pratos, garrafas, jarras, caldeirões, bacias, copos, canecas, baldes, jarras, cântaros, barris, entre outras coisas. Com o barro o oleiro podia-se modelar vários utensílios.
Deus como Oleiro deseja dar formas únicas as pessoas. Deseja moldá-las (yatsar); deseja formar pequenas e únicas obras de arte, com contornos, tamanhos, desenhos únicos, vemos isso na convicção do profeta Isaías:.
Então o SENHOR Deus formou o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego de vida, e o homem se tornou um ser vivente. Gn 2.8 (NVI)
Contudo , SENHOR, tu és o nosso Pai. Nós somos barro; tu és o oleiro. Todos nós somos obra de Tuas mãos. Isaías 64.8 (NVI)
Como o vaso nas mãos do oleiro, assim são vocês nas minhas mãos. Jeremias 18.6 (NVI)
Como obras-primas de Deus, fomos construídos com utilidade e beleza que nos são únicas.
Não existe ser humano que não seja útil para Deus; não existe ser humano que não tenha o seu papel dentro do que Deus está realizando; e não há ser humano que não tenha os seus talentos e dons distintos dos outros. O passar pela modelagem do Senhor, muitas vezes é dolorido, mas essa disciplina visa o nosso bem:
Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Rm 8.28 (ARA)
Jó após ser modelado por Deus fez a seguinte declaração:
Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustados. Jó 42.2 (ARA)
2. É REFORMULADO POR ELE
Jeremias observava o oleiro trabalhar e percebeu que algo desagradável aconteceu com o vaso: “ele estragou”.
Diante disso pensou: “qual será o fim desse vaso?”. E tamanha fora a sua surpresa quando viu que o oleiro em vez de sucatear o vaso ele o amassa e começa a modelá-lo novamente. O trabalho de criação é reiniciado, hábil e pacientemente. Deus não desiste de fazer vasos bons. Deus conhece a qualidade do barro que está trabalhando.
Deus sabe que não somos um ajuntamento aleatório de células, e nem somos matéria-prima em potencial esperando um momento oportuno para ser modelado. Somos barro escolhidos e modelados por Deus:
Porque ele conhece a nossa estrutura, ele se lembra do pó que somos nós.
Sl 103.14(BJ)
Deus conhecia os moradores de Judá. Sabia que eram vasos estragados pelo pecado, pela rebelião, pelo desobediência, entre outras coisas, os quais precisam ser quebrados e refeitos:
Ele os fará em pedaços, como um vaso de barro, tão esmigalhado que entre os seus pedaços não se achará caco que sirva para pegar brasas de uma lareira ou para tirar água da cisterna. Is 30,14 (NVI)
As tribos de Israel e Judá tinham o seu valor na história do Cristianismo, por isso precisaram quebradas e remodeladas no cativeiro (Jr 18.11).
Mas não são apenas NAÇÕES que foram REFORMULADAS por Deus, PESSOAS também a foram. Prova disso, são as palavras de Jesus ao discípulo Simão Pedro antes das negações e depois:
Simão, Simão, Satanás, pediu vocês para peneirá-los como trigo. Mas eu orei por você, para que a sua fé não desfaleça. E quando você se converter, fortaleça os seus irmãos
Lucas 22.31,32 (NVI)
Digo-lhe a verdade: Quando você era mais jovem, vestia-se e ia para onde queria; mas quando for velho estenderás as mãos e outra pessoa o vestirá e o levará para onde você não deseja ir. Jesus disse isso para indicar o tipo de morte com a qual Pedro iria glorificar a Deus. E então lhe disse: “Siga-me”
João 21.18,19 (NVI)
O Pedro dos Evangelhos não foi o mesmo do livro de Atos dos Apóstolos. Esse último foi reformulado por Deus. Passou pela peneira. Aquele homem bruto, tempestuoso, corajoso, determinado, arrogante, prepotente e seguro de si, deu lugar a um homem simples, amoroso, dependente e submisso.
A reformulação de Deus nos convidam a conhecer a nossa fragilidade e nos sensibilizam a perceber Deus em meio a um mundo caracterizado pela desolação e aridez.
Enfim essa reformulação nos leva rumo à humildade, à dependência e à sensibilidade, tornando-vos vasos de bênçãos, vasos que refletem o poder de Deus.
Mas temos esse tesouro em vasos de barro, para mostrar que este poder que a tudo excede provém de Deus, e não de nós
2Co 4.7
CONCLUSÃO
O quadro que Willi pintou de Eugen Petterson era um alerta profético. Ele mostra o que o pastor se tornaria se abandonasse ou negasse a fé; De certa forma a imagem do oleiro trabalhando sobre a roda, mostra no que posso me transformar quando me submeto à vontade de Deus.
Não somos descartáveis e sem valor para Deus. O vaso estragado nunca é sucateado e sim remodelado. Por isso, as decepções, as desilusões, as tristezas, as perdas, as frustrações não são o fim, mas apenas um novo começo.
Lembre-se: estamos sempre “EM OBRAS”.
O que Cristo quer fazer em mim é maior
do que ele quer fazer através de mim.
do que ele quer fazer através de mim.
Amauri Bella Rodrigues é pastor da Igreja
Presbiteriana do Brasil. De 2005 a 2012 foi pastor em Tietê-SP, cidade
que o concedeu em 6 de dezembro de 2010 o título de Cidadão Tieteense.
Formou-se em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul em 2004 e
ordenado pastor em 2005. Trabalha com ministério infantil manipulando
fantoches e ministrando palestras a professores da Escola Bíblica
Dominical, capacitando-os a contar histórias bíblicas com excelência
para as crianças