Destaques do Artigo:
🕊️ Confissão obrigatória e penitências na Igreja medieval.
⚖️ Sistema de indulgências e o comércio do perdão.
⛓️ Excomunhão como arma de controle social e espiritual.
O método principal usado pela Igreja para guiar moralmente o seu povo, era a disciplina. Nas modernas Igrejas protestantes essa disciplina é exercida pelo ensino cristão das Escrituras, por meio de sermões, da Escola Dominical, admoestações particulares e pela influência pessoal. Mas a igreja medieval governava e conduzia o seu povo por meio do seu sistema disciplinar.
Como vimos no capítulo IV, esse sistema disciplinar foi introduzido e ministrado em larga escala quando uma grande massa de bárbaros foi introduzida na Igreja e teve de ser civilizada e instruída na vida cristã.
Através da Idade Média essa disciplina foi se desenvolvendo até que se tornou um verdadeiro sistema definitivamente elaborado ao tempo que ora consideramos.
Confissão e penitência: O sistema de controle moral medieval
Todos eram obrigados a se confessar ao sacerdote, pelo menos uma vez por ano [2]. Os que se confessavam tinham de fazer penitência de acordo com a gravidade das faltas.
A penitência consistia em atos que envolviam sacrifícios como, por exemplo, jejuns, flagelações, peregrinações, etc, sacrifícios esses que, uma vez cumpridos, eram aceitos como prova do verdadeiro arrependimento.
Os sacerdotes usavam livros que indicavam detalhadamente as penitências apropriadas às várias naturezas de pecados.
A ideia desse sistema penitencial, era que os homens deixaram de praticar o mal por saberem que o pecado lhes acarretaria pesados sacrifícios a fim de alcançarem a absolvição. Quando a penitência era realizada, o sacerdote pronunciava a absolvição.
No início da Idade Média tal pronunciamento era geralmente considerado como o perdão divino, concedido ao pecador.
Indulgências e o purgatório: A monetização do perdão divino
Depois prevaleceu a ideia de que a igreja, por seus sacerdotes, podia não somente declarar, mas, na realidade, conceder judicialmente o perdão. A igreja, pensava-se, possuía o perdão divino e podia concedê-lo aos pecadores.
De sorte que a absolvição do sacerdote era um livramento ou libertação real do pecado. Pela confissão, penitência e absolvição, ensinava-se, era removida a culpa do pecado, e com a culpa o castigo eterno devido ao mesmo.
Mas ainda permanecia o que se chamava a conseqüência temporal do pecado, cuja parte principal eram as penas do purgatório. Este era um estado de sofrimento purificador, pelo qual o pecador deve passar antes de entrar na bem-aventurança final.
A Igreja ensinava que tinha o poder de diminuir essas penas do purgatório, daquelas pessoas que, enquanto estando na terra, satisfizessem as suas exigências. Essa redução de penas do purgatório era chamada indulgência e que podia ser conseguida pela prática de certas penitências.
Mais tarde essas indulgências passaram a objeto de negócio, sendo vendidas a todo o preço. Ensinava-se que a pessoa que as pudesse obter, além de beneficiar-se, ajudava também aos parentes e amigos já falecidos.
É difícil entendermos tal sistema de disciplina, pois é nossa mais firme convicção que o homem se pode dirigir pessoalmente ao seu Deus, confessar-lhe sinceramente as faltas e buscar o perdão, prescindindo de qualquer outro intermediário entre sua pessoa e Deus, exceto Cristo.
Essa complicada e extravagante entrosagem deu lugar a grandes erros e males na vida espiritual de milhões. Precisamos nos lembrar que este era o único meio de que a Igreja lançava mão para disciplinar e corrigir a natureza humana e tratar com esses povos pagãos e semi-pagãos da Europa ocidental.
Excomunhão medieval: Poder espiritual e exclusão social
A igreja infligia punição aos que não se submetiam à sua disciplina. Havia penalidades menores, como suspensão dos privilégios eclesiásticos e multas.
Para as grandes faltas, a penalidade era a excomunhão, isto é, expulsão da Igreja com privações dos seus ministérios. Para o povo daquela época, isto constituía uma punição aterradora.
Os fiéis da Igreja eram impedidos de manter qualquer aproximação com a pessoa excomungada, e desde que, praticamente, todos estavam na Igreja, o contato com o excomungado era evitado por todo mundo.
Em alguns países o excomungado perdia os direitos legais e julgado fora da lei. A excomunhão portanto, representava virtualmente a expulsão da sociedade humana.
E desde que faltar aos sacramentos da igreja e morrer fora da sua comunhão, importava na perda da salvação, alguém nesta situação era considerada como condenado ao castigo eterno.
O medo da excomunhão concedia, à Igreja, terrível poder para tratar com os homens em todas as suas atividades. Até mesmo grandes reis e imperadores tremiam ante essa arma terrível.
Tribunais eclesiásticos: A dualidade da lei canônica e civil
O domínio da Igreja sobre a vida humana não era exercido somente por seu sistema disciplinar, mas também por suas leis aplicadas por seus próprios tribunais [3]. Na Idade Média todas as pessoas estavam, tanto debaixo da lei civil como da lei canônica ou eclesiástica, dos países onde habitassem.
Já dissemos que a Igreja era um grande governo internacional. Como todos os governos, ela possuía suas leis que consistiam nas decisões dos papas e dos concílios. Tinha seus próprios tribunais: o dos bispos, o dos arcebispos e o do papa.
Certos casos, como os que envolviam testamentos, sempre iam aos tribunais eclesiásticos, como também os casos que envolvessem pessoas do clero, de sorte que o clero não era subordinado às leis dos países onde residiam.
Além disso, casos de qualquer natureza podiam ser levados, duma maneira ou outra, às cortes eclesiásticas. O objetivo de tudo isto era tornar esses tribunais tão poderosos quanto os civis.
A Inquisição: Máquina de repressão à heresia na Idade Média
Uma parte importantíssima do mecanismo legal da Igreja e um dos principais meios de controle sobre a vida humana foi a Inquisição, uma organização eclesiástica destinada a indagar, descobrir e punir o que a Igreja considerava heresia ou discordância dos seus ensinos.
No século XI, e mais ainda nos séculos XII e XIII, a oposição ou discordância de certos ensinos da Igreja tornou-se muito generalizada. No século XII houve dois grupos muito fortes de dissidentes, os Cataristas (ou Albigenses) e os Valdenses.
Poucos homens como Bernardo e Domingos julgavam que a heresia devia ser combatida pelo ensino, pela persuasão, nunca peia força. Mas o pensamento da Igreja Romana a esse respeito é que não devia haver outro método exceto o da repressão.
A heresia era rebelião e como tal devia ser esmagada. Primeiramente a guerra contra a heresia foi confiada aos bispos, mas os dissidentes continuaram a crescer em número. Veio, então, Inocêncio III que odiava com todas as suas forças os hereges.
Este espírito foi manifesto na sua atitude instigando uma cruzada sanguinária contra os albigenses, hereges da Provença, cruzada que durou mais de vinte anos e causou a morte de muitos milhares.
Inocêncio sentiu a necessidade de uma organização centralizada que abrangesse toda a Igreja, organização destinada à supressão da heresia.
Sob sua orientação e a dos seus sucessores, na primeira metade do século XIII, desenvolveu-se a Inquisição papal. Ao mesmo tempo o poder civil criou as condições necessárias para fazer funcionar a Inquisição.
Muitos governos civis criaram leis severas contra a heresia. Em 1224, o imperador Frederico II tornou-a passível de morte.
A Inquisição era uma combinação de uma força policial e de um sistema judicial. Operava em toda a parte, secreta, vigilante, paciente e desumanamente. Em seus tribunais o acusado não tinha meios de defesa contra as acusações e nunca conseguia absolvição.
Essa terrível instituição ordinariamente lançava mão das mais horríveis torturas a fim de arrancar confissões. Tinha o auxílio o governo civil na caça aos hereges e aplicava sentenças de morte.
Heresia na Idade Média: Crime contra a unidade da Igreja
Nesta política de aniquilamento da heresia a Igreja tinha o apoio da opinião pública. Para o homem medieval a heresia era o pior dos crimes, pois ela quebrava a unidade da Igreja, e o herege, discordando da Igreja, ia de encontro à fé cristã.
Na mente do povo a fé cristã e a organização que a representava, eram uma e a mesma coisa; de modo que rebelar-se contra uma delas era rebelar-se contra a outra.
Além do mais, desde que o Cristianismo era considerado o fundamento da sociedade civilizada, considerava-se o herege um desobediente à igreja cristã. Eram julgados como o são hoje em dia os anarquistas.
Os homens da Idade Média não tinham nenhuma ideia de liberdade de pensamento e de consciência. Esta ideia os cristãos aprenderam muito vagarosamente e, diga-se, ainda não a aprenderam de todo.
ÍNDICE
A preparação para o Cristianismo
A fundação e expansão da Igreja
A Igreja antiga (100 - 313)
A Igreja antiga (313- 590)
A Igreja no início da Idade Média (590 - 1073)
A Igreja no apogeu da Idade Média (1073 - 1294)
17 - A disciplina e a lei da Igreja Romana ⬅️ Você está aqui!
Decadência e renovação na Igreja Ocidental (1294 - 1517)
Revolução e reconstrução (1517 - 1648)
A era da Reforma (1517 - 1648)
O cristianismo na Europa (1648 - 1800)
O Século 19 na Europa
O Século 20 na Europa
O cristianismo na América